segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Desabafos de Poseidon

Deitado na praia sobre os pequenos montes e vales arenosos, de costas voltadas para o Sol, ouço o mar falar de uma sereia.

Escondo a cara entre as mãos procurando a penumbra, e escuto.
O seu ronronar embala-me, como os braços de uma mãe a uma criança. Sinto-me desligar até ao ponto em que o consciente e o subconsciente se cumprimentam e é então, entre a realidade e o sonho, que o ouço falar. Usa a minha voz e suspira compassadamente. Conta-me como se sente bem ali. Quente! Confortável sobre a areia fina, divinamente integrado entre o céu e a terra.

Mas não é a harmonia de espírito que o traz ali. Não, é algo mais que o move. Uma ânsia que vem das suas profundezas e lhe turva a razão.
Lutando com o impulso, banha aquela praia atraido pela esperança de encontrar uma sereia que o fascina. Em cada querer sente o mar um não dever, mas o cantar de perdição é tão forte, tão puro, tão cristalino...Incontornável!

Porém, distante.
"Estou preso aqui, não posso ir mais além", diz-me reconfortado.
Não tem mais que os sussurros que o vento lhe traz, laivos de um paraíso que não vê. Os murmúrios chegam-lhe por partes, como pedaços de um manuscrito rasgado que boiando à superfície de um lago se apanham com cuidado, e fazem-no duvidar se a sereia o chama, ou se ele o sonha de tanto o querer. Quando crê tê-los apanhado todos, o vento parece enfurecer-se, corre, assobia, e devolve ao lago os pedaços do mapa desejado.
A imagem da deusa desvanece-se lentamente...

Acordo do meu transe com areia na cara, no mesmo momento em que o vento adormece e devolve a calma à praia. Olho ao fundo e vejo o mar balançar-se serenamente. Imenso, imponente, majestoso como sempre. Estranhamente calado agora.
Viro-me de rompante, num reflexo instintivo, procurando algo, alguém...a sereia de que ouvi o mar falar-me. Mas não, não tenho mais sorte do que ele. Estou rodeado pelos mesmos mortais que me acompanhavam antes daquele devaneio. Olho-os fixamente e a familiaridade das suas expressões levam-me a ponderar quanto de verdadeiro haveria no meu fugidio momento de loucura:
"Eu ouvi o mar falar?! Não pode ser, o mar não fala."

Ou será que fala?


Jack Pot

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